Português
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o rodopio da wiebke
o rodopio da wiebke à W.L. paragem de autocarro, filas austeras, a tua dança principia, o sol transborda dos vidros do colete, ancorados à bainha, os búzios chocalham o cimento não vacila sob pés descalços a criança destemida aproxima-se, admira os anéis, a saia de corvo a esvoaçar o resplendor de folhos dourados no autocarro, o teu cabelo arco-íris projecta cores, trauteias acostumada ao espaço imediato, já nem te apercebes das bocas entreabertas sob as nuvens apodrecidas de hamburgo, ao lado de mercedes-benzes em acelarações, conversas com carecidos, prostitutas tal oráculo enviado dos céus, convidas dependência, loucura, demónios a cantar no aromático…
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tão longe, tão perto
tão longe, tão perto à B.Q. e à A.D. o peso da tua cabeça exerce pressão no meu peito, a respiração é forçada após uma estrofe sobre “amantes que partiram um amor de porcelana rechonchudo como a baleia,” e, apesar da tua mão descansar na minha coxa moves-te como se acordasses de um sonho onde poderias ter estado com outro qualquer. todavia encorajas-me a prosseguir, há meses que peço bocas emprestadas, as minhas palavras secaram no poço dos anseios. imagino que uma palavra tece os teus sonhos, caudal que nunca secará – “não pares, adoro o sussurrar da tua voz” – a facilidade com que pronuncias o amor…
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sem raízes
sem raízes I. plantas do pé sem raízes solidamente assentes entre árvores de unha-de-cavalo o peso do corpo cunha a sua própria cama aí a chuva se congregará II. quente e macia a terra é a pele amante que recorda o meu peso após a partida (…) excerto ©paulodacosta de: notas de rodapé, LPD 2012 Livro ou ebook vendido pelas Livrarias da Amazon nos EUA GB Espanha Alemanha
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Um Punhado de Ilusões,
Eu, o diabo? Nunca. O diabo não se atrevia a dedicar-se a estas canseiras, estes riscos. Eu gasto as pontas dos dedos até ao giz do osso só para agarrar clientela. Ah… não como a vida de padre, feita à medida, simplesmente a deslizar para dentro de uma batina e a esborrifar umas lufadas de incenso perfumado no altar, e de imediato as gentes correm das suas colmeias para os bancos da igreja. Padres nem se preocupam em engendrar novos milagres de valia, amparam-se em milagres tecidos há tanto tempo que já ninguém os põem em questão. Qual é a alma viva que atesta esses milagres de seus próprios…
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O Perfume da Mentira
Nunca tivemos má fé contra a Camila Penca. Simplesmente rezámos pelo regresso do sossego e da harmonia à aldeia e, graças a Deus, as nossas preces foram ouvidas. Camila nasceu de boa gente, na nossa respeitada aldeia, anichada entre os dentes aguçados do penhasco da Baía da Boca do Inferno. Uma aldeia ainda de pé, com orgulho e oposição, após séculos de ira Atlântica. Camila cresceu no seu próprio mundo, subia e descia o escarpado colecionando penas de gaivota, chapinhava nos lagos de maré baixa, depenando os ouriços-do-mar, bem-me-quer, mal-me-quer, depois com as primeiras ondas da puberdade, ama-me, não me ama. Alguns dizem que Camila sempre mostrara inclinação para criar…
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Na Lavra da Palavra
(excerto) paulo da costa Um dos intervenientes num encontro de escritores no qual participei pediu desculpas por se encontrar num palco, onde como escritor era objecto de reconhecimento e distinção, enquanto a audiência se encontrava segregada e anónima na plateia. A pessoa expressou o seu desencanto pela situação, alegando que não deveria existir distinção entre os escritores e o público uma vez que “toda a gente pode escrever.” Deste modo perpetuava-se a artificial superioridade burguesa das artes sobre o cidadão. “Somos todos iguais e não existe necessidade de se criar esta classe demarcada de escritor uma vez que qualquer um de vocês pode escrever e poderia aqui estar nesta…
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Sobre: The Scent of a Lie
SOBRE THE SCENT OF A LIE, DE PAULO DA COSTA Vamberto Freitas paulo da costa, nascido em Angola e criado até à adolescência na Beira Litoral, reside desde 1989 na costa oeste do Canadá, em Alberta e Calgary. O seu livro, The Scent of a Lie, apresenta-nos um caso pouco habitual entre nós: um imigrante a escrever em inglês, quando podia muito bem ter optado pela sua língua natal. Caso semelhante, mas de perfil algo diferente, foi o de Alfred Lewis, na Califórnia (falecido em 1977), autor do romance Home is an Island, e outra ficção e poesia. Numa recente entrevista à página literária (da net) luso-canadiana Satúrnia, Paulo explica…
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notas de rodapé
Depois da publicação e aclamação, em terras canadianas, de The Scent of a Lie – livro de contos premiado internacionalmente –, o escritor luso-canadiano paulo da costa estreou-se na língua de Camões com o livro de poesia notas de rodapé. Livro solidamente trabalhado ao longo de mais de dois anos, segundo nos confidenciou o autor, notas de rodapé tem na diversidade temática uma das suas características mais fortemente identitárias. Da reinterpretação mitológica patente no poema “édipo antes de édipo?” ao poema de pendor autobiográfico “gelo canadiano”, das paisagens intimistas de “tão longe, tão perto” à crítica de costumes de “peregrinação”, da composição quase cinematográfica da sequência dos três poemas que…
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Esquina Do Mundo
– entrevista com Luís Filipe Ferreira Entrevista publicada no primeiro numero da Revista Literária Esquina do Mundo do Centro de Estudos Ferreira de Castro. O primeiro livro aos 37 anos. Quais as razões desta demora? O fruto maduro é mais saboroso. “The Scent of a Lie” foi muito bem recebido pelo mundo literário canadiano e não só. Fale-nos um pouco sobre isso…Sei que não estava à espera de uma recepção tão calorosa… Sim, o livro foi calorosamente recebido tanto pelo público leitor como pela critica literária canadiana. As recensões são unânimes em considerar o livro e a escrita como uma lufada de ar fresco no mundo das letras canadianas.…
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efêmero
paulo da costa (tradução de Mauro Faccioni Filho, Brasil) passo a passo cavo vales sob cada pisada a formiga escala montanhas de areia recém erguidas esta é a força a moldar o mundo cada pernada, junto da areia molhada vai mais fundo, dura o mais breve momento como uma onda estende sua língua acariciando a praia e pegadas deixam-me como se eu nunca tivesse caminhado aqui sem título paulo da costa (tradução de Mauro Faccioni Filho, Brasil) gota a gota uma garoa surge leve, quase amável, sufocante céu, o ruído de um homem ou uma mulher lutando querendo ir pro sul ali bem perto de uma…