o rodopio da wiebke
o rodopio da wiebke
à W.L.
paragem de autocarro, filas austeras,
a tua dança principia, o sol
transborda dos vidros do colete,
ancorados à bainha, os búzios chocalham
o cimento não vacila sob pés descalços
a criança destemida aproxima-se, admira
os anéis, a saia de corvo a esvoaçar
o resplendor de folhos dourados
no autocarro, o teu cabelo arco-íris
projecta cores, trauteias
acostumada ao espaço imediato,
já nem te apercebes das bocas entreabertas
sob as nuvens apodrecidas de hamburgo,
ao lado de mercedes-benzes em acelarações,
conversas com carecidos, prostitutas
tal oráculo enviado dos céus, convidas
dependência, loucura, demónios a cantar
no aromático altar de incenso das tuas mãos
cada cicatriz delineada na ponta dos meus dedos,
nebulosas, corte duplo, estrela, orelha rasgada,
ontem pela noite o teu grito acordou-nos,
a chama da vela, extinta e surda
presenciaste amigos a escalar nirvana, e leal,
procuraste idêntica passagem nas tuas veias
– ímpeto até ao fim do mundo
para sentires até que ponto a primavera persiste
quatro dias sem dormir, faminta,
os pés fincam-se ao corrimão de uma ponte,
as pernas de veado bravo ao atravessar a estrada desafiam
as luzes de grande alcance, troças a velocidade
do que perto ou alto, longe ou fundo
se vive sem respiração, os amigos
esqueceram-se de regressar, o silêncio perdura
nos gélidos duches de dezembro,
os amigos são incapazes de te acordar das memórias
– rapazes turcos pescados do elba,
pedras ancoradas aos pés –
horas e horas de prantos
nos azulejos da cozinha varro migalhas
e pele caduca, uma nuvem flutua pela janela,
o teu corpo atravessa muitos estados, mão à boleia
na berma da auto-estrada, uma bofetada ocasional de vento
facilita a passagem das horas, harmónica, estrada deserta
(…)
excerto ©paulodacosta
de: notas de rodapé, LPD 2012
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