rajinderpal s. pal – dois poemas
superfície
rajinderpal s. pal
enquadrados na porta dos fundos
num aguaceiro
relâmpagos erráticos
revelam os seus corpos
ambos desejam ser transformados
desejam biselar o espaço reduzido
deslizar de encontro ao outro
tolerar o silêncio
e comunicar numa nova língua
vê-se um primeiro plano de gotas de chuva
embatendo com força no terraço de madeira
seguindo-se outro de pingos
a salpicar até aos tornozelos
e um primeiro plano de um braço e uma perna
uma superfície macia a dilatar-se
eles exauriram as suas histórias
as que restam – ainda não estão preparados para partilhar
o carvão activo na bisnaga
na boca do irmão
o grito aterrorizado virando
o barco da mãe
eles ainda se examinam reciprocamente
ainda não ponderaram
diferenças ou culturas
família e dever
as suas mãos ainda não desmantelaram
o que construíram
ansiosos para mergulharem continuamente
para dentro do outro
com a perfeição de pássaros de cristal
eles guardam as histórias que os impulsionarão
rumo à nova membrana
uma superfície demasiado delicada para penetrar
esplendor
rajinderpal s. pal
e porque não estávamos preparados
e porque era proibido
procurámos refúgio
da rua e da chuva
num túnel de betão
num recreio de escola
onde os candeeiros não nos denunciariam
atrás a tua mão procurou
o meu ângulo recto para encaixar
e quando as bocas e as línguas já se cansavam
dedos agarram as vértebras sob o vestido leve de verão
o teu rosto ardente na minha camisa
a tua pestana – uma cadência leve no meu ombro
desenfreadamente procuramos tecido e textura
querendo reviver o momento quando por fim
o senso e os sentidos
se penetraram
procuramos uma vaga e impossível permanência
não este vir e partir
não este pestanejo efémero
tradução de paulo da costa