ser português
ser português
é nascer com o fado ao pescoço viver de olhos ancorados ao alto mar, ansiar pela maré de partir ou pela onda do regresso viver enlatado entre mar e espanha exportar sardinhas ir à missa e esquecer o sermão é confessar-se a amigos de garrafa na mão é não fazer ondas bastam as que revoluteiam no mar rezar pela paz admirar fátima e batalha na mesma santa visita ser português é amar o carro mais que a si próprio é bastante mais em conta ser português é partir para o estrangeiro josé e regressar joe ser pequeno mas de grande olho ser português é não ser castelhano nascer com dores ali, pobrezinho, viver com dores aqui do lado, senhor doutor, e morrer com dores acolá, valha-nos deus é oferecer o peito do churrasco aos filhos afugentando a fome própria com asas raquíticas deixar o ninho de barbas brancas ser português é não ser nada disto mas ámen é discutir política como quem discute futebol abrir a porta da garrafeira e da salgadeira a estranhos – aferrolhar a janela da mente ser português é imortalizar poetas e heróis que inflacionam o ego desta nação de pueris e fictícios orgulhos D. Henrique, o navegador que jamais navegou, Fernão Magalhães o primeiro circum-navegante que jamais regressou ser embalado por histórias grandiosas e imperialistas de especiarias e conquistas obcecado pela nódoa nos colarinhos desleixado para com as nódoas na história ser português é esquecer as redes de destruição que varreram o mar até ao silêncio encadeados pelo brilho da idade de ouro minimizar as violações, degolações, genocídios gitano, judeu, a escravidão do tráfego, extirpar urso, lince, bacalhau, águia-imperial, abutre quebra-ossos é fazer do leito azedo queijo fresco (…) excerto do poema ser português 1998©paulodacosta incluído no livro:Memória: An Anthology of Portuguese Canadian Writers Paperback – Nov 19 2013